11/16/2010

Feira do Livro de Porto Alegre ofende a poesia


No caminho com Maiakovski
                                         De Eduardo Alves da Costa

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

O recente episódio que redundou na prisão violenta da poeta Telma Scherer durante a sua performance na 56 Feira do Livro de Porto Alegre no dia 12 de novembro de 2010, mostra o grau de insanidade a que chegou aqueles que são responsáveis por uma Feira de Livros que se pretende cultural e que revela, finalmente, que de cultura nada desejam além de vender livros e no que se diz cultural não passa de uma quermesse mal animada.
Ninguém me contou, estive presente, por acaso, no ato da prisão de Telma quando um ex-presidente da Feira declarou em alto e bom som : ”-essa mulher tem que ser presa está  perturbando as barracas da Feira”.
Na mesma oportunidade os policiais encarregados de prendê-la disseram que iam fazer nela exame de teor alcoólico e exame psiquiátrico num posto de atendimento do INSS.
O constrangimento e a virulência foi tanta que deixou a poeta, sensível, muito assustada, sendo tratada como uma verdadeira criminosa.
As garantias de livre expressão da Constituição foram rasgadas naquele momento, sem levar em consideração a ausência de um mínimo de bom senso dos administradores da Feira que a acusaram da forma que fizeram.
Unindo-se a isso tivemos mais uma demonstração também da grande mídia, quando um dos mais importantes jornais da capital minimizou o incidente, mostrando mais uma vez o jornalismo subserviente que é useiro e vezeiro de praticar.
Não podemos esquecer também os nossos intelectuais que também minimizaram o episódio como se ele não fosse emblemático de um momento que vive a nossa cultura subserviente ao poder econômico e feliz com as migalhas que lhes são atiradas através de um reconhecimento feito de cartas marcadas e jogadas bem ensaiadas para disfarçar o uso de verbas públicas que  terminam por caucionar a prisão uma poeta.
Ficar calado a isso é admitir a nossa impotência diante de um acontecimento tão grave que não poderá ser esquecido com facilidade pois, senão como diz poema chegaremos novamente no momento: “que já não podemos fazer mais nada”.

Marco Celso Huffell Viola

Um comentário:

Tropeços Literários disse...

É óbvia e notória a violência aqui constatada. O que me surpreende é o quão pouco isso foi divulgado. O que deixa-me ainda com um pouco de alento, mesmo que seja uma ângulo um tanto quanto reverso, é que a poesia ainda é uma forma de protesto poderosa que faz com que este tipo de reação absurda aconteça em um mundo de um mundo onde a banalidade de tantos atos e a insensibilidade povoa e nortei a ação dos cidadãos.

Grande abraço.