1/19/2005

Dois poemas

Do livro Do Avesso
de Aline Isaia

Pássaro

Hoje, me ordeno pássaro para alimentar-me
do essencial. De água, frutos, paisagem
e sossego.
Me ordeno pássaro para calar
sem constrangimento,sorrir gratuitamente,por dentro.
Neutralizar as defesas-pousar aqui, pousar ali-belezas.
Me ordeno pássaro para não enfrentar mais filas,
e de acrobacias atravessar as estradas da liberdade
nua e fria.
Me ordeno pássaro para mudar humor e cor a
cada estação...destino é o improviso.
Da realidade, recortes bons, nada de tormentos.
Me ordeno pássaro para,invisível, velar tua janela:te ter sem nada cobrar,
te sentir pelo olhar.
E num canto brando, distante, ser teu por um momento.
Ser teu solenemente e exclusivamente,
mesmo que só num fio de pensamento.


Partes, Tu

Chegas-te intruso, sem pedir licença.
E é bem verdade que no princípio, atrapalhaste minha rotina.
Eu era do vento, não sabia o que era ter.
Não sabia o que era ser.
Mas, fomos apostando numa convivência de confiança fraca;
depois de pequenas cumplicidades;
depois,vieram as ternas surpresas e,quando vi, já éramos parte.
Um do outro.
Achava graça quando dizias que, somados, multiplicávamos, - mágica de conquista.
Achava, não fazia graça.
E me enchia de vergonha, era difícil admitir saber-me mais, por ti.
Agora, de uma hora para outra, diz que vais embora.
De motivos, precisas seguir em frente.
E, para não perder pose, refaço um movimento de fraca superioridade.
Sei que irás restar, pedaço de mim. E aceito.
Mas, já me consumo numa fração de perda e de saudade.
O adeus é azul.