4/19/2007

A universidade e o preconceito- uma coleção étnica

Tenho por parte de mãe, uma bisavó negra ainda escrava quando casou com o inglês, meu bisavô (em cartório em São Gabriel) e, por parte de pai, um italiano que chegou no Rio Grande do Sul, antes da grande imigração de 1870 e casou com uma paraguaia.
Não tenho direito a cidadania italiana porque o sobrenome se perde numa família extremamente prolífica. Não tenho e nem quero a cidadania paraguaia, porque, no máximo o que vou conseguir é alguma isenção sobre produtos importados, se algum dia virar camelô, a inglesa, então, seria luxo demais. Muito menos, posso reivindicar a cidadania nagô, que possuo legitimamente, mesmo tendo olho azul, porque sei lá que região da África minha bisavó provém. E aí, me sobra a condição de ser brasileiro e cidadão do mundo. O que é uma condição difícil, mas não lamentável. Lamento, isso sim, quando deparo com o fato de que os mais cultos,ou aparentemente mais cultos, ou seja, aqueles que tem acesso à cultura em nosso país não sabem exatamente o que são e a que vieram.Ou não fazem questão de saber, ou então fazem questão de manter esse desconhecimento e divisões étnicas,separatistas, sociais ou culturais para dele usufruir alguma benesse ou ainda, para aumentar esses abismos e criar mais guetos entre homens, nações e raças.Lamento quando deparo como o fato de Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), através de sua editora ter uma coleção de livros editada por alguns, professores? que não sei se mal esclarecidos ou mal formados ou os dois, que dividiu autores (vários) do Rio Grande do Sul por algumas etnias formadoras do Estado. Nos livros editados pela universidade há textos de poetas,escritores,jornalistas, com os seguintes títulos: Nós, os afro-gaúchos; Nós, os gaúchos;Nós, os ítalo-gaúchos; Nós, os teuto-gaúchos. Estão a venda no site da Editora da Universidade www.ufrgs.br/editora/ Na lista de preços é mais fácil encontrá-los.Os organizadores destas antologias esqueceram que o Brasil, hoje, não é um Estado multinacional e sua formação racial em alguns casos é quase imprecisa. Falei em alguns casos, porque existem no país, ainda em uso entre as diversas nações indígenas quase 120 idiomas, mas mesmos essas nações apesar de possuírem seus estamentos, estão submetidos, acima de suas regras, a regras jurídicas legais e lingüísticas das quais fazem parte a configuração da nação que vivemos. Esqueceram esses, professores? as perseguições que sofreram os alemães no Rio Grande do Sul para integrarem-se? Será que esqueceram, também, no que conduziu essas separações étnicas antes e durante a segunda guerra mundial? A guerra em Ruanda entre as etnias tutsi e hutu que já matou mais de 1 milhão de pessoas -divisão étnica,essa, alimentada pelos colonizadores belgas; dos curdos, hoje, um povo sem pátria).E parece que a coleção parou nisso, por quê? Se continuasse, faltaram, imagino, títulos como: Nós, gaúchos-gauleses (que reuniriam os belgas e franceses), Nós, os gaúchos ingleses, Nós, os gaúchos espanhóis (que reuniriam os catalões e os bascos).Mas qual foi mesmo o critério de escolha para a seleção de material que consta nessas antolgias?Se o critério para escolha dos colaboradores na coleção foi pela ordem de descendência patrilinear eu poderia colaborar em apenas um dos livros.Se foi regional e patrilinear em dois livros e, se nenhum dos anteriores, poderia apresentar textos para três dos livros, pois sou pela minha ascendência: afro-gaúcho, gaúcho e ítalo-gaúcho e se mexer um pouco mais há um traço de basco.Acho interessante que nessa coleção tenham sido esquecidos, também os judeus-gaúchos e os árabes (nessa entrariam descendentes de palestinos/ turcos e todas outra etnias da qual faz parte o mundo árabe e que está presente no Rio Grande do Sul desde a sua formação, basta buscar em sociologia histórica Manoelito de Ornellas- Gaúchos e Beduínos, e na ficção Simões Lopes Neto-Lendas do Sul-A Salamanca do Jarau, cujo título já evidencia a ligação com a Espanha moura. Onde estão estes últimos?Incluídos nos gaúchos?Por quê?Suspeito que eles existam.Porque não tiveram também o seu livro, em separado, nesta linda coleção étnica?Será que faltou dinheiro para editar ou daria algum problema? Sugiro que na continuidade da coleção façam mais dois livros, além dos já citados, com os guaranis, Nós, os gaúchos tupi-guaranis, ou vamos esquecer a sua cultura e história para formação desse Estado, também? E outro, com o título:Nós,osgaúchosautosegregadosesegregadoresdaculturabrasileira.Agora vem a dúvida: Vamos pegar três exemplos, se vivos fossem no Rio Grande do Sul: Machado de Assis. Em qual dessas coletâneas o colocariam?Afro-brasileiro? E aquele negro Cruz e Souza; e aquele mulato genial Afonso de Lima Barreto, que comemora esse ano 125 anos de seu nascimento sem nenhuma grande festa (patrocinada por algum banco estatal-com direito a discursos de vários especialistas autonomeados em sua obra) e que disse: “nasci pobre, nasci mulato...Executei minha missão fui poeta!”.Não daria também mais um título:Nós,os gaúchos mulatos ?Ficamos então, no pior dos mundos.Aqueles que têm a obrigação de sinalizar, educar, mostrar, orientar, depreende-se por uma coleção dessas não terem a mínima noção do que é cultura, do que é importante em cultura, mesmo se tiveram publicado um milhão de livros antes desses.Na minha opinião, justificar por qualquer ângulo ou critério uma separação étnica para cultura é criar mais divisões e preconceitos. Tudo começa com a cultura e a educação, inclusive os preconceitos. Acredito que objetivo da editora de uma universidade seria trabalhar contra isso.Não vejo coleções com critérios étnicos,separatistas, semelhantes editadas por universidades brasileiras ou em outros países.Se houverem,por favor me avisem! Seleção de textos baseado na cor da pele de seus autores,sexo, origem familiar,localização geográfica, faixa etária,religião e profissão são restritivos e inservíveis para qualquer noção ou visão de cultura que se pretenda abrangente e importante, para não ser mais rigoroso e aprofundar as questões de racismo ou separatismo. Enquanto isso, a Universidade perde cada vez mais sua importância social e cultural com publicações como estas, realizada com dinheiro público que se prestam mais a dividir aquilo que deveria estar unido em torno de uma cultura verdadeiramente brasileira e universal.

4/17/2007

Conosco, Nei, a anatomia ficou Maicoviski

para Nei Duclós

Houve um tempo que era sempre verão
que o mundo cabia na nossa mão,
no bolso havia um mapa do céu,
cantávamos enlouquecidos a plenos pulmões, na janela,na porta, no meio da rua
para quem quisesse ouvir
sem se preocupar com a vida,
com a morte, com o tempo,
nada, nem ninguém ousava nos desafiar
ríamos de madrugada,
no focinho dos cães raivosos.
Recordo o medo e o silêncio imposto,
meu pai dizendo:
- filho, não escreve essa hora da noite,
o barulho da máquina, tem sempre alguém escutando. Mas não havia receio,
era sempre verão,
vivíamos em outro país
onde toda a geografia havido ficado louca,
éramos feitos só de poesia
e os que nos vigiavam não entendiam nosso canto
e nos olhavam desconfiados,
quando estenderam sua garras na nossa direção,
não conseguiram nos aprisionar em seu baú de ossos,
não havia armas e nem cadeia para nós,
a poesia era nossa mãe coragem,
ela nos alimentava com seu sangue e com seu suor,
e não tínhamos lágrimas,
pois cada vez que a vida nos batia, querendo nos acordar,
retrucávamos em verso ou prosa
e com um sorriso que todos nós tínhamos.
Hoje, percorrendo este labirinto de cartas, recortes, fotos e nomes esquecidos pelo caminho percebo que ela nunca nos abandonou e continua sendo verão,
toda a vida, a vida toda em nosso coração.