1/22/2007

O imperador de um asilo de loucos e do lugar em que nascem os sonhos

Mário de Andrade errou.
Ao falar sobre a criação de Macunaíma o autor afirmou que não desejava inventar símbolos nem um personagem que representasse todos os brasileiros. No entanto, na medida que dava vida ao herói, (por suas desqualidades) de preguiçoso, mentiroso foi percebendo as inúmeras semelhanças entre ele e os brasileiros ou latino-americanos em geral, que são, segundo ele, povos sem nenhum caráter. Explicando, dizia Mário: “Com a palavra caráter não determino apenas a realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento da língua na História na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional.” (1).
Macunaíma é uma obra ímpar na literatura brasileira pela formulação estética e temática. Mas é isso, e acaba aí.
A bobagem que o teórico Mário fez ao analisar seu personagem foi de não separar a ficção da realidade.O ponto de partida para a criação de Macunaíma é a obra do etnógrafo alemão Koch-Krunberg, que recolheu uma série de lendas dos índios taulipangues e arecunás, entre 1911 e 1913.São lendas, parte do arcabouço mítico de nações diferentes, etnias diversas, diferenciadas em usos e costumes.E para que servem os mitos e as lendas? Servem para diversos propósitos em todas as culturas, para apoiar, dar sentido a realidade, divertir,instruir e unificam culturalmente uma nação,grupo ou raça.Os mitos como a língua, fazem parte do processo que distingue a existência de um povo.E Mário pegou um amontoado desses mitos e com indiscutível talento criou, estruturou seu personagem e sua trajetória dentro de um roteiro de ficção.
Certa vez, conversando com Plínio Marcos, perguntei sua opinião sobre a peça Peer Gynt,do norueguês Henrik Ibsen, que estava sendo encenado em São Paulo, na ocasião, com direção de Antunes Filho. Ele me fez uma afirmação que nunca esqueci sobre o personagem:“é o Macunaíma, lá deles”. A proximidade estrutural das criaturas principais das duas obras é evidente.Ibsen também reúne os mitos da Noruega e Peer Gynt realiza seu caminho entre gnomos, elfos e duendes e vários seres fantásticos. Peer Gynt também não possui nenhum caráter, vive diversas aventuras, na Noruega e no exterior, viaja entre os árabes, em determinando ponto da peça é saudado como imperador em um asilo de loucos e, em um outro, um homem estranho quer usar o seu corpo para saber onde nascem os sonhos... No final, já velho, Peer Gynt possui uma filosofia de vida onde sua moralidade ou seu caráter se apóia em seu Eu Gyntiano. Dizer que todos os noruegueses tem a mesma índole de Peer Gynt, é um absurdo.Tanto Macunaíma como Peer Gynt como qualquer pessoa ou personagem sem caráter é amoral e age de acordo com seus interesses e circunstâncias. Peer Gynt é uma obra excepcional. Uma bela obra de ficção, como a de Mário.
O acerto de Plínio Marcos é inegável.
Agora, qual é o valor ou o interesse de se discutir hoje, passado tanto tempo que Macunaíma foi escrita e já consta em nossos livros de história literária como fato consagrado?A razão é a questão do caráter e da índole e a realidade moral de nosso país, cuja análise não perde nunca a atualidade e está sempre em discussão e, é importante que assim seja. É através da correção desses erros que teremos talvez, a noção verdadeira da natureza de nosso etos, no sentido sociológico-antropológico que Mário de Andrade atribuiu ao seu personagem.
E o erro teórico de Mário foi grande.
Não é possível medir o caráter de um povo por suas lendas ou por seus mitos quando os parâmetros são de uma cultura examinando outra com instrumentação antecipadamente elaborada. Não há civilização brasileira, e nem uma consciência tradicional, não existe isso em sociedades em mutação ou mudança.. Uma civilização é um processo terminado, acabado e mesmo nesse termo classificatório é necessário estabelecer parâmetros, a civilização grega se divide em períodos como a civilização egípcia.E não se pode aplicar uma regra comum civilizatória a todos os períodos. A questão da consciência nacional é pior ainda.Se houvesse, por exemplo, uma consciência nacional francesa,ou uma civilização francesa, num país que tem mais mil anos como a França,os excluídos,os sem o primeiro emprego, não estariam ateando fogo no país como fizeram em 2005.Estariam preservado essa civilização francesa e a consciência nacional com todos os seus valores de caráter e moralidade. Besteira.
Enquanto a história da Noruega se perde no tempo, assim como seus mitos, os mesmos mitos que alimentam a obra de Mário também, são particulares e localizados. E de origem e tempo duvidosos.Adequá-las a uma realidade imediata é sempre um risco. Pode-se dizer que pertencem ao povo brasileiro como substrato de sua cultura,mas não formativo de seu caráter.Como exemplo, a lenda do Muiriquitã é da tribo míticas de mulheres do Amazonas(essas também conhecidas entre os mitos gregos), e assim como tantas outras que fazem parte da rapsódia de Mário.
As elites brasileiras e, quando me refiro elites não falo apenas das elites de poder, mas as elites culturais, têm um péssimo hábito, já histórico, de desprezar o povo que deu origem e mantém esse país. O caldo cultural que formava o Brasil na época de Mário era menor, índios, portugueses, negros e o italianos que já haviam enriquecido o país com o seu trabalho. Somaram-se depois, os japoneses, árabes, turcos, coreanos e atualmente são os bolivianos que trabalham como escravos nos porões de São Paulo.O Jeca Tatu, de Lobato, é o retrato de uma realidade agrária num país que só tinha dois produtos, cana de açúcar e café e que dava seus primeiros passos para industrialização, na década de 20 do século XX. Esse personagem de Lobato estava mais próximo do brasileiro pobre do interior do país do que o de Mário.
Quando falam mal do povo brasileiro, esquecem essas elites às lutas pela liberdade e os grandes sacrifícios e o sangue derramado que tem estruturado a nação.Mentirosos, é quase sempre atributo das elites de nossos país, o povo, no máximo, se defende, é reativo.
A generalização é perigosa. A partir da década de 60, com o golpe militar que se perpetuou por quase trinta anos,o país emburreceu mais.A inteligência foi atacada de forma sistemática pelos militares, Groucho Max dizia: “Inteligência militar são termos contraditórios”, universidades, arte,resistência tudo foi sistematicamente combatido em nome de revolução de mentiras e privilégios ainda maiores para a casta e seus apaniguados ligados ao poder. Consagrando a lei de levar vantagem sempre. E o que esses militares fizeram, também foi estimular exponencialmente a miséria, a exclusão social da maioria do povo. No intuito de aumentar a distância entre aqueles que combatiam de qualquer forma o status militar eles criaram a divisa: ame-me ou deixe- o, com o objetivo de confundir a noção de amor e respeito ao país ao respeito e amor a uma ditadura militar.Como se eles fossem a nação, donos da nação e homens do povo, e não um conjunto separado da sociedade, regido por normas próprias e distintas de toda ela.Funcionários públicos privilegiados, como até hoje são, homens que portam armas e que dispõe de privilégios diferenciados da maioria da população.
Nenhum governo é a nação.
Todo o governo é um conjunto de interesses e representa sempre uma parcela, nunca a totalidade de uma nação.
A lei, o direito, a estrutura social nunca está a favor dessa maioria. Foi esse povo, “preguiçoso” que sem ter a quem recorrer migrou do nordeste e continua erguendo com o seu trabalho São Paulo, entre outras cidades do país.É desse mesmo povo que deixou seu sangue nas batalhas que se espalham por nossa história. Nos 500 anos do Brasil, nunca houve um século, em que não houvesse guerras, lutas internas,quase sempre por liberdade. É esse povo que, ainda hoje, carrega pesos enormes nas costas para sustentar sua família e os seus, com honestidade do trabalho duro na chamada economia invisível, e continua sendo atacado pela forças da repressão, que defendem (em seu próprio beneficio) o imposto e os comerciantes legalmente estabelecidos.
E esse povo que continua suportando os erros dos economistas e líderes bem pensantes e bem sentados nos altos cargos da república. É este povo que ainda encontra forças para cantar “sou brasileiro com muito orgulho” nos poucos espaços que possui para manifestar a sua felicidade e alegria em habitar um terra tão diversa e tão bela como essa.E levar essa característica de preguiçosos e mentirosos para América Latina é continuar a cometer o mesmo crime de desrespeito a culturas diversas como que o foi cometido pelos “descobridores /conquistadores” com roubos, e assassinatos culturais, alguns irreparáveis.
Mario de Andrade acertou inúmeras vezes, mas nesse caso ele errou.É pretensão demais de um intelectual, um tanto megalomaníaco, capaz de achar que um personagem seu, seja capaz de representar a essência e a índole de toda uma nação.É preciso respeitar essa terra e suas criaturas, algumas ainda indefesas, cuja espécie e ou etnia existe a bem mais que 500 anos.É preciso dobrar a língua quando falar mal desse país e de seu povo, bem como sua história de sacrifício e coragem.O Brasil sempre foi e continua sendo um país mítico, é preciso, isso sim, manter vivos seus sonhos porque é aqui, com certeza, que os sonhos nasceram.(1) Português:Linguagens –William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães- Ed.Atual

1/02/2007

Jõ Soares e a literatura de banheiro

Jô Soares pergunta:conhece quadrinha de banheiro?Fiquei pasmo com a entrevista realizada por Jô Soares com Affonso Romano Santana no último dia 29-12-2006. A ânsia do apresentador em "alegrar" o público é tanta que ele entre outras besteiras pergunta ao escritor:conhece alguma quadrinha de banheiro? Ora, o sujeito vai lá promover seus livros de poesia, que possui espaço raro de divulgação no país, e pega um apresentador que nem entrevistador é, o sujeito é um blefe metido a engraçado e a escritor que é incapaz de tratar qualquer tema, muito menos literatura, com qualquer traço de seriedade e importância. A formato do talk show que ele faz está esgotado. O programa do David Letterman- de quem ele copiou o formato do programa consegue ser mais engraçado e inteligente além de critico.Coisa que o tal program do Jô já deixou de ser se algum dia já foi.