12/27/2009

Intelectuais estelionatários

                                                                                       


   Da paixão de um cocheiro e uma lavadeira


  Tagarela, nasceu um rebento raquítico.


   Filho não é bagulho, não se atira na lixeira.


   A mãe chorou e o batizou: critico...*

                                  Vladimir Maiakovski



A consagração da expressão 171 do Código Penal para o crime de estelionato, tem sido muito utilizada para designar os crimes políticos- financeiros que têm ocorrido com assídua frequência em nosso país.

Outra aplicação perfeita para essa expressão, que utilizo aqui pela primeira vez, é a dos intelectuais estelionatários. E, estelionato literário, o grande volume de publicações que alimenta as prateleiras do comércio livresco das editoras, bienais, megastores, ávidas de títulos rápidos e de fácil digestão como chessburguer e quanto mais decorativos melhor.

Frutos aparentes de uma “geração espontânea”, esses intelectuais estelionatários, surgiram no final da década de 80 e proliferam a partir da década de 90, mas diferente do que eles imaginam, são resultado, de uma Universidade paga, apática e descerebrada, e da Universidade Pública cassada, cujas razões no Brasil são bem conhecidas e de um ideal Fim da História de Francis Fukuyma.

Como para eles não há história, filhos das creches e da música da babá-televisão alimentados pelo He-man e amamentados pela She Ra, consideram que tudo que existiu pelos Poderes de Greyskull- antes deles, pouca ou quase nenhuma expressão ou significado teve.

Assim, começaram a reescrever a “história” da maneira mais pueril e desconexa possível utilizando instrumentos já vencidos de um enciclopedismo dogmático neo reciclado.

Novas histórias da literatura e dicionários regionais proliferam no país, bem como textos sobre descobertas fantásticas de novos autores contemporâneos isolados, ilhados, gênios autocráticos saídos do limbo como eles.
Critica Nem-Nem, nem um coisa nem outra, analisada por Roland Barthes em Mitologias que tenta incluir toda e qualquer referência desconhecida e não elaborada, num catálogo onde a cultura aparece dentre todas as coisas como deusa neutra, asséptica, moralmente palátavel  e comestivel. Qualquer critica que não se enquadre no molde, no modelo, no quadradinho, está excluída.Critica, mesmo, nem pensar, ação entre amigos, sim, de amigo para amigo, citação por citação, sempre favorável.

Essa raça de estelionatários invadiu a imprensa - ”Com um nariz grácil como um vintém por lauda - Ele cheirou o céu afável do jornal”- na consonância com patrões que sempre consideraram a critica, seja do que, e qual for, uma péssima facilitadora de bons negócios e negociatas.

Critica? Só a capaz de gerar chantagem para possibilidade de novos ganhos, escadas para posições mais elevadas.

Vigias de um jornalismo e uma literatura amorfa geraram pequenos monstros “Um enorme lacaio, balofo e bajulante”,- cevados e alicerçados em preconceitos escolhidos a dedo, dogmáticos e sem leitura, onde Joyce, Proust e um que outro latino-americano, formam o arcabouço básico, mais do que isso não é necessário, e tudo que não diz respeito a seu umbigo e dos seus, inexiste.

E, para estabelecer novas cortes, novas relações-redes, de iguais, para comentar e analisar o mesmo, a mesmice, para o ver e ser visto, escrever e ser inscrito no cânone da banalidade comercial, impuseram o uso intensivo da mídia e do marketing como novos deuses-abutres da comunicação literária.

Esse intelectualismo estelionatário está em pleno vigor e sem contraditores do porte de um Otto Maria Carpeaux, Antonio Cândido, Afrânio Coutinho, Manoel Bandeira, para citar alguns nomes respeitáveis com trajetória de dignidade contra essa maré de professores, doutores, jornalistas, escritores/cantores sem passado, que hoje infestam os salões e palcos bem vestidos, arejados, ventilados, repletos de maus versejadores e línguas presas da República.



Referências ao Poema Hino ao Crítíco
Trad. Augusto Campos- Antologia da Poesia Russa Moderna. Ed Civilização Brasileira

Foto: Vladmir Maicoviski, autor desconhecido

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