2/23/2009

O Novo Clássico,as Novas Lógicas e os Críticos Teóricos do Passado

Esse texto foi utilizado em duas palestras, na Feira do Livro de novembro de 2007, no Porto Alegre dá Poesia em março de 2008 e faz parte dos livros Poesia Política e o Livro Negro dos Bardos, do autor.
O século XX foi pródigo em mudanças não apenas na arte, mas ideológicas, políticas, sociais e tecnológicas que alteraram a face do mundo.As grandes mudanças que, na arte, começaram a ocorrer já no final do século XIX desaguaram todas no século XX.
Já falei aqui sobre a não existência de uma nova poesia, mas de uma poesia contemporânea e o meu completo desprezo pelas análises literárias classificatórias não apenas na poesia, mas na arte em geral, que segue os modelos mecanicistas dos enciclopedistas franceses do século XVII e suas derivações sociológicas.
Hoje, todos os professores bem sentados em suas cátedras, e críticos de arte, em sua totalidade têm, (quando tem, a maioria não têm nada) dois modelos de análise ou duas bíblias - uma, a do sociólogo húngaro Arnold Hauser,aluno de Bérgson e frequentador do círculo de Lukács e o seu falho História Social da Literatura e da Arte (2 volumes ed. Mestre Jou).
Talvez uma das melhores contribuições de Hauser a compreensão da arte seja a sua constatação da noção do artista na Renascença, nesse período, diz ele: "acontece a descoberta do conceito do gênio e a ideia de que toda a obra de arte é criação de uma personalidade autocrática, que esta personalidade trancende a tradição, a teoria e as regras." (2). O que Hauser não havia percebido é que as diferentes noção do artista como criador haviam sofrido várias alterações ao longo dos séculos e, em algum casos passavam longe da questão econômica, mas obedeciam a fatores como religiosos, ou apenas culturais. Os egipícios possuíam uma noção do artista completamente diferente dos gregos, os artistas das guildas outra noção, e a Renascença marcou mesmo essa distinção, da Vinci frequentou os ateliers de Verocchio,Ucello e tornou-se uma artista inqualificável, que transcendia aos seus contemporâneos, dai a constatação de Hauser, dessa autocracia do artista e sua obra, não dependendo e sendo produto,única e exclusivamente, do meio.
Todos, eu disse todos, os livros de formação em uso no segundo e terceiro grau no Brasil utilizam as conclusões sociológicas de Hauser como base teórica para análise artística seja literária ou não, aliás,a obra de Hauser por seu fôlego, ele passou dez anos pesquisando, mapeia de forma bem eficiente a arte européia e, é utilizada como base teórica não só no Brasil.
Com relação a literatura, a segunda bíblia é novo Literary Criticism do tcheco norte-americano René Welleck (1915-1978) Livro - Teoria Da Literatura e Metodologia Dos Estudos- Ed.Martins Fontes- esse último, Walleck, criou as distinções entre história literária, literatura comparada e critica literária do que antes dele era tudo metido no mesmo formulário, ele também, não é só usado no Brasil.
Em entrevista realizada recentemente, o autor do Ócio Criativo, Domenico Di Masi [2), afirma que no século XX o conceito de beleza foi destruído e cita como exemplo um quadro de Mondrian:” como podemos saber se é feio ou bonito? diz ele - já que esse conceito foi destruído”.
Domenico ao fazer esta afirmação corrobora a sua formação de sociólogo, europeu formado nas barbas de Hauser e completamente equivocado. O século XXI não rompeu com o conceito da beleza, ao contrário, acrescentou novas visões/padrões a noção de beleza.
A grande questão nisso é que arte no século XX rompeu foi com o clássico, mas não rompeu completamente com o acadêmico. E o acadêmico não rompeu com a visão acadêmica,apenas digeriu mal essas análises sociológicas e adaptou os seus pré-conceitos.
E a questão retorna, a visão acadêmica se mantém através da tradição universitária.E essa por sua vez está ligada na formação clássica e nesse aspecto não houve nenhuma grande mudança, nenhum grande rompimento.
Um natural da pré-Itália de Domenico, Horacio Flaco (3) já possuía preocupações semelhantes quando falava sobre as relações harmônicas que devem existir em uma obra e arte e utilizando a poesia e as artes visuais como exemplo:

Harmonia e proporção entre as partes da obra poética


Se um pintor à cabeça humana unisse
pescoço de cavalo e de diversas
penas vestisse o corpo organizado
de membros de animais de toda a espécie,
de sorte que mulher de belo aspecto
em torpe e negro peixe rematasse
vós, chamados a ver esta pintura,
o riso sofreríeis? Pois convosco
assentai, ó Pisões, que a um quadro destes
será mui semelhante aquele livro
no qual idéias vãs se representam
(quais os sonhos do enfermo), de tal modo,
que nem pés, nem cabeça a uma só forma
convenha. De fingir ampla licença
ao poeta e pintor sempre foi dada.
Assim é; e entre nós tal liberdade
pedimos mutuamente, e concedemos;
mas não há de ser tanta, que se ajunte
agreste çom suave, e queira unir-se
ave a serpente, cordeirinho ao tigre. (4)



Toda a obra de Horácio estava ligada ao clássico grego, por isso sua critica contundente a tudo que não obedece aos padrões da arte clássica, já naquela época.
Alexandre Baumgarten (1714 –1762) filósofo alemão, discípulo de Leibnitz, em seu Meditações Filosóficas sobre Alguma Questão da Obra de Arte de 1735- é quem designa pela primeira vez o termo estética e dá a ele o sentido que deveria ter, mas não tem: “visão que trata do conhecimento sensorial capaz de possibilitar a apreensão do belo através das imagens da arte, em contraposição a lógica do intelecto”.
A estética, ao retirar a lógica do âmbito da análise da obra de arte, deveria retirar os conceitos de feio ou bonito, bem ou mal ou qualquer outra visão maniqueísta baseada na lógica aristotélica, do terceiro excluído, mas não é o que acontece, basta reler a opinião de Domenico Di Masi.
A responsabilidade pelo não entendimento, compreensão e análise apressada que sofre a obra de arte a partir do século XX se deve a esse fator, a formação clássica em contraposição a uma arte que rompeu com o padrão clássico. Ou seja, você analisa de forma clássica algo que não é mais clássico, onde ainda estão envolvidas as noções defendidas por Horácio de ritmo, proporção e harmonia.
E, então, você têm críticos, professores, enfiando na obra de arte essas noções clássicas sob o ponto de vista do realismo socialista, do socilogues, de visões cienticifistas da recorrência do fenômeno, etc.
Pergunto: adianta separar história literária, literatura comparada e critica literária se a visão critica seja qual for utiliza a antiga lógica aristotélica clássica, bom ou ruim, feio bonito etc, mesmo camuflando através de textos pretensamente eruditos, mas profundamente adequados a formação clássica?
Não.
Enquanto do lado ocidental os padrões do clássico eram rompidos o mesmo não ocorreu com a arte oriental que se manteve ligada as suas tradições também ancestrais, mas ao cair nas mãos desses tradutores, professores, críticos, sofrem a mesma aplicação da lógica de análise empregada para identificar a obra de arte ocidental. A ponto de Basho, por exemplo, ser designado como naturalista.
É bom começar a saber, esses teóricos do passado, que no século XX surgiram novas lógicas,como a do lógico brasileiro Newton da Costa- lógica paraconsistente que admite a noção de conceitos incertos e contraditórios e a lógica fuzzy (lógica difusa) criada pelo professor de computação da universidade da Califórnia o norte-americano/irianiano -Lotfi Zadeh- que admite conceitos difusos como, por exemplo: o dia hoje está nublado, em vez do dia está claro ou escuro, feio ou bonito.
Ambas as lógicas derivam da lógica clássica, e se precisamos de lógica para buscar entender o mundo que vivemos ou a arte, é necessário saber que a lógica aristotélica teve o seu prazo de validade estourado para a análise da arte. O século XX a esgotou, assim como a análise cultural social, baseada nela.E não há bobagem nenhuma de pós modernidade que a recupere, outro termo que ao criticar o discurso, deriva do padrão de discurso mecanicista clássico.
Acredito que século XXI traga uma nova visão que, talvez, se torne um novo clássico buscando através dessas novas lógicas, a soma que houve na arte, da visão clássica com a ruptura ocorrida no século XX.
Alguém é capaz de dizer que não reconhece as contribuições ao teatro de Samuel Beckett e Eugene Ionesco?O teatro de ambos conviveu de forma harmoniosa com o teatro de Brecht, no século XX, assim como a obra de Joyce e Tomas Mann. O mesmo aconteceu com as artes visuais.
E a poesia? Os primeiros estertores do clássico começaram a ocorrer no final do século XIX com Rimbaud, Baudelaire, etc. Marineti, em 1907 deu o passo seguinte, ou o pontapé seguinte, depois vieram os dadaístas e os surrealistas, esse último capitaneado por André Breton, que depois terminar com o que havia e propor novas formas, objetos para apoiar o texto, reuniu-se em torno do realismo socialista.
Nada de novo surgiu na sequência, modernismo, concretismo e os outros ismos, poesia praxis, etc. foram derivações dessas vanguardas. Deixo claro aqui que não estou fazendo nenhuma apreciação sobre o conteúdo desses autores e sim dos movimentos.
Sobreviveu o paradoxo: o que é importante? Se tudo é importante? Onde está a nova harmonia? O novo ritmo, a nova proporção?
Inexistem, porque torna-se impossível aplicar em algo que não obedece a esses parâmetros, sobra então para a análise, o conteúdo, esquecendo a forma e o historicismo.
O soneto clássico sobreviveu, assim como o verso livre, como a rima pobre e rica junto com os poemas objetos,o poema piada, entre outros.
Ao esquecer a forma é necessário também esquecer a linguagem, (5) alguns sonetos de Camões são tão belos quanto eram no século XVI, apesar da linguagem hoje ser outra.
Sobra, então o conteúdo, volto a repetir.
Se é bom ou mau, se está de acordo com essa ou aquela escola, não importa.
É preciso separar a lógica da razão clássica da, talvez, ilógica compreensão da arte ou arte tenha sua lógica própria no que só ela pode acrescentar ao homem em sua relação com o universo.

















1)Arnold Hauser- História Social- pag 432
2)Conexão internacional
3)Quinto Horácio Flaco ( Quintus Horatius Flaccus) (Venúsia, 8 de Dezembro de 65 a.C. — Roma, 27 de Novembro de 8 a.C.) poeta lírico e satírico romano e filósofo.cConsiderado um dos maiores poetas da Roma antiga- O texto chamado Arts Poética tem como título original Epístola aos Pisões (cidade romana situada hoje no território de Portugual)
4) Tradução Cândido Lusitano
5) Não se trata aqui de analisar o avanço diacrônico da língua.

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