1/22/2007

O imperador de um asilo de loucos e do lugar em que nascem os sonhos

Mário de Andrade errou.
Ao falar sobre a criação de Macunaíma o autor afirmou que não desejava inventar símbolos nem um personagem que representasse todos os brasileiros. No entanto, na medida que dava vida ao herói, (por suas desqualidades) de preguiçoso, mentiroso foi percebendo as inúmeras semelhanças entre ele e os brasileiros ou latino-americanos em geral, que são, segundo ele, povos sem nenhum caráter. Explicando, dizia Mário: “Com a palavra caráter não determino apenas a realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento da língua na História na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional.” (1).
Macunaíma é uma obra ímpar na literatura brasileira pela formulação estética e temática. Mas é isso, e acaba aí.
A bobagem que o teórico Mário fez ao analisar seu personagem foi de não separar a ficção da realidade.O ponto de partida para a criação de Macunaíma é a obra do etnógrafo alemão Koch-Krunberg, que recolheu uma série de lendas dos índios taulipangues e arecunás, entre 1911 e 1913.São lendas, parte do arcabouço mítico de nações diferentes, etnias diversas, diferenciadas em usos e costumes.E para que servem os mitos e as lendas? Servem para diversos propósitos em todas as culturas, para apoiar, dar sentido a realidade, divertir,instruir e unificam culturalmente uma nação,grupo ou raça.Os mitos como a língua, fazem parte do processo que distingue a existência de um povo.E Mário pegou um amontoado desses mitos e com indiscutível talento criou, estruturou seu personagem e sua trajetória dentro de um roteiro de ficção.
Certa vez, conversando com Plínio Marcos, perguntei sua opinião sobre a peça Peer Gynt,do norueguês Henrik Ibsen, que estava sendo encenado em São Paulo, na ocasião, com direção de Antunes Filho. Ele me fez uma afirmação que nunca esqueci sobre o personagem:“é o Macunaíma, lá deles”. A proximidade estrutural das criaturas principais das duas obras é evidente.Ibsen também reúne os mitos da Noruega e Peer Gynt realiza seu caminho entre gnomos, elfos e duendes e vários seres fantásticos. Peer Gynt também não possui nenhum caráter, vive diversas aventuras, na Noruega e no exterior, viaja entre os árabes, em determinando ponto da peça é saudado como imperador em um asilo de loucos e, em um outro, um homem estranho quer usar o seu corpo para saber onde nascem os sonhos... No final, já velho, Peer Gynt possui uma filosofia de vida onde sua moralidade ou seu caráter se apóia em seu Eu Gyntiano. Dizer que todos os noruegueses tem a mesma índole de Peer Gynt, é um absurdo.Tanto Macunaíma como Peer Gynt como qualquer pessoa ou personagem sem caráter é amoral e age de acordo com seus interesses e circunstâncias. Peer Gynt é uma obra excepcional. Uma bela obra de ficção, como a de Mário.
O acerto de Plínio Marcos é inegável.
Agora, qual é o valor ou o interesse de se discutir hoje, passado tanto tempo que Macunaíma foi escrita e já consta em nossos livros de história literária como fato consagrado?A razão é a questão do caráter e da índole e a realidade moral de nosso país, cuja análise não perde nunca a atualidade e está sempre em discussão e, é importante que assim seja. É através da correção desses erros que teremos talvez, a noção verdadeira da natureza de nosso etos, no sentido sociológico-antropológico que Mário de Andrade atribuiu ao seu personagem.
E o erro teórico de Mário foi grande.
Não é possível medir o caráter de um povo por suas lendas ou por seus mitos quando os parâmetros são de uma cultura examinando outra com instrumentação antecipadamente elaborada. Não há civilização brasileira, e nem uma consciência tradicional, não existe isso em sociedades em mutação ou mudança.. Uma civilização é um processo terminado, acabado e mesmo nesse termo classificatório é necessário estabelecer parâmetros, a civilização grega se divide em períodos como a civilização egípcia.E não se pode aplicar uma regra comum civilizatória a todos os períodos. A questão da consciência nacional é pior ainda.Se houvesse, por exemplo, uma consciência nacional francesa,ou uma civilização francesa, num país que tem mais mil anos como a França,os excluídos,os sem o primeiro emprego, não estariam ateando fogo no país como fizeram em 2005.Estariam preservado essa civilização francesa e a consciência nacional com todos os seus valores de caráter e moralidade. Besteira.
Enquanto a história da Noruega se perde no tempo, assim como seus mitos, os mesmos mitos que alimentam a obra de Mário também, são particulares e localizados. E de origem e tempo duvidosos.Adequá-las a uma realidade imediata é sempre um risco. Pode-se dizer que pertencem ao povo brasileiro como substrato de sua cultura,mas não formativo de seu caráter.Como exemplo, a lenda do Muiriquitã é da tribo míticas de mulheres do Amazonas(essas também conhecidas entre os mitos gregos), e assim como tantas outras que fazem parte da rapsódia de Mário.
As elites brasileiras e, quando me refiro elites não falo apenas das elites de poder, mas as elites culturais, têm um péssimo hábito, já histórico, de desprezar o povo que deu origem e mantém esse país. O caldo cultural que formava o Brasil na época de Mário era menor, índios, portugueses, negros e o italianos que já haviam enriquecido o país com o seu trabalho. Somaram-se depois, os japoneses, árabes, turcos, coreanos e atualmente são os bolivianos que trabalham como escravos nos porões de São Paulo.O Jeca Tatu, de Lobato, é o retrato de uma realidade agrária num país que só tinha dois produtos, cana de açúcar e café e que dava seus primeiros passos para industrialização, na década de 20 do século XX. Esse personagem de Lobato estava mais próximo do brasileiro pobre do interior do país do que o de Mário.
Quando falam mal do povo brasileiro, esquecem essas elites às lutas pela liberdade e os grandes sacrifícios e o sangue derramado que tem estruturado a nação.Mentirosos, é quase sempre atributo das elites de nossos país, o povo, no máximo, se defende, é reativo.
A generalização é perigosa. A partir da década de 60, com o golpe militar que se perpetuou por quase trinta anos,o país emburreceu mais.A inteligência foi atacada de forma sistemática pelos militares, Groucho Max dizia: “Inteligência militar são termos contraditórios”, universidades, arte,resistência tudo foi sistematicamente combatido em nome de revolução de mentiras e privilégios ainda maiores para a casta e seus apaniguados ligados ao poder. Consagrando a lei de levar vantagem sempre. E o que esses militares fizeram, também foi estimular exponencialmente a miséria, a exclusão social da maioria do povo. No intuito de aumentar a distância entre aqueles que combatiam de qualquer forma o status militar eles criaram a divisa: ame-me ou deixe- o, com o objetivo de confundir a noção de amor e respeito ao país ao respeito e amor a uma ditadura militar.Como se eles fossem a nação, donos da nação e homens do povo, e não um conjunto separado da sociedade, regido por normas próprias e distintas de toda ela.Funcionários públicos privilegiados, como até hoje são, homens que portam armas e que dispõe de privilégios diferenciados da maioria da população.
Nenhum governo é a nação.
Todo o governo é um conjunto de interesses e representa sempre uma parcela, nunca a totalidade de uma nação.
A lei, o direito, a estrutura social nunca está a favor dessa maioria. Foi esse povo, “preguiçoso” que sem ter a quem recorrer migrou do nordeste e continua erguendo com o seu trabalho São Paulo, entre outras cidades do país.É desse mesmo povo que deixou seu sangue nas batalhas que se espalham por nossa história. Nos 500 anos do Brasil, nunca houve um século, em que não houvesse guerras, lutas internas,quase sempre por liberdade. É esse povo que, ainda hoje, carrega pesos enormes nas costas para sustentar sua família e os seus, com honestidade do trabalho duro na chamada economia invisível, e continua sendo atacado pela forças da repressão, que defendem (em seu próprio beneficio) o imposto e os comerciantes legalmente estabelecidos.
E esse povo que continua suportando os erros dos economistas e líderes bem pensantes e bem sentados nos altos cargos da república. É este povo que ainda encontra forças para cantar “sou brasileiro com muito orgulho” nos poucos espaços que possui para manifestar a sua felicidade e alegria em habitar um terra tão diversa e tão bela como essa.E levar essa característica de preguiçosos e mentirosos para América Latina é continuar a cometer o mesmo crime de desrespeito a culturas diversas como que o foi cometido pelos “descobridores /conquistadores” com roubos, e assassinatos culturais, alguns irreparáveis.
Mario de Andrade acertou inúmeras vezes, mas nesse caso ele errou.É pretensão demais de um intelectual, um tanto megalomaníaco, capaz de achar que um personagem seu, seja capaz de representar a essência e a índole de toda uma nação.É preciso respeitar essa terra e suas criaturas, algumas ainda indefesas, cuja espécie e ou etnia existe a bem mais que 500 anos.É preciso dobrar a língua quando falar mal desse país e de seu povo, bem como sua história de sacrifício e coragem.O Brasil sempre foi e continua sendo um país mítico, é preciso, isso sim, manter vivos seus sonhos porque é aqui, com certeza, que os sonhos nasceram.(1) Português:Linguagens –William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães- Ed.Atual

1/02/2007

Jõ Soares e a literatura de banheiro

Jô Soares pergunta:conhece quadrinha de banheiro?Fiquei pasmo com a entrevista realizada por Jô Soares com Affonso Romano Santana no último dia 29-12-2006. A ânsia do apresentador em "alegrar" o público é tanta que ele entre outras besteiras pergunta ao escritor:conhece alguma quadrinha de banheiro? Ora, o sujeito vai lá promover seus livros de poesia, que possui espaço raro de divulgação no país, e pega um apresentador que nem entrevistador é, o sujeito é um blefe metido a engraçado e a escritor que é incapaz de tratar qualquer tema, muito menos literatura, com qualquer traço de seriedade e importância. A formato do talk show que ele faz está esgotado. O programa do David Letterman- de quem ele copiou o formato do programa consegue ser mais engraçado e inteligente além de critico.Coisa que o tal program do Jô já deixou de ser se algum dia já foi.

11/18/2006

De que Barro Somos Feitos ?

O texto a seguir é do irmão de Emanuel Medeiros Vieira, contista premiado, natural de Santa Catarina que hoje reside em Brasília.


“De que barro somos feitos?”
Francisco Xavier Medeiros Vieira


A imagem ainda é nítida, apesar do tempo: Estou sentado sobre uma velha caixa de madeira, cruzando pedaços de barbantes coloridos. Como um rústico artesão, copio e invento modelos de cintas e suspensórios. Fiz várias peças, sempre com muito cuidado. Enquanto durasse o trabalho, mais nada existia no mundo. Cada “obra” concebida era como se fosse uma jóia encontrada, um segredo revelado.

Depois, de porta em porta, ia vender minhas “criações” pela vizinhança. Lembro as cores e os cheiros daqueles dias e lembro os preços do jogo: vinte e cinco cruzeiros. Não seriam réis? E recordo também que no meio desse meu trabalho, um dia, sem aviso, alguém me perguntou: “Tu sabes de que barro somos feitos?”. Eu, que já era crescido, não entendi a pergunta, nem me lembro de quem a fez, mas nunca a esqueci.

Eram bons tempos. Acreditava-se em Papai Noel, no Coelhinho da Páscoa, na Cegonha e no “futuro da Pátria”. Tinha-se muito medo das bruxas, do comunismo e da formiga saúva – que iria destruir o Brasil. Morávamos na rua Blumenau, hoje Victor Konder, num casarão geminado, com porão e sótão cheios de mistério, principalmente quando soprava o vento Sul – que naquela época durava três dias. E se a noite tivesse lua cheia, mortos de medo e de encanto, íamos desvendar seus mistérios, embaixo da Figueira no Jardim Oliveira Belo. E ficávamos assim, olhos arregalados, atentos a cada sombra, sob o balançar das ramagens centenárias e fantasmagóricas.

Época do Marona, bedel da Academia de Comércio, companheiro das batidas de limão do Gato-Preto e dos bares das adjacências, do Curvina, do Manequinha, da Barca Quatro. Época em que A Gazeta, dos irmãos Callado, mal das pernas, inventou a história do MQ, contada em capítulos diários repletos de suspense, nos quais o personagem principal confessava um homicídio praticado, trinta anos atrás, na Agronômica.

José, nosso irmão mais velho, diretor de O Diário da Tarde, para não perder leitores, criou o assustador Capa Preta, “perigoso assaltante”, tornando ainda mais desertas as estreitas ruas da cidade. Os jornaleiros vendiam os exemplares de um e de outro a dois mil réis, quando seu preço era de quarenta centavos. Era também o tempo das paixões políticas.

No pós-guerra, a redemocratização trouxe várias agremiações partidárias – o PTB de Getúlio, o PSD do General Dutra, a UDN do Brigadeiro Eduardo Gomes, esta em oposição ferrenha que, na Ilha, nos agitados comícios, tinha por slogan o “água, leite, luz”, produtos escassos por aqui.

Então, em meio a esse cenário, numa manhã de sábado, Papai chegou da Maternidade Carlos Corrêa e, com ar grave, sentou-se à cabeceira da mesa para o café da manhã e anunciou: - Tive um sonho nesta noite, em que um Anjo me dizia que este é o último filho que Deus nos deu. Era 31 de março de 1945. Emanuel Tadeu desembarcara na Ilha, para alegria da numerosa clã dos Medeiros Vieira, numa casa acolhedora e barulhenta.

Era uma casa, mas parecia um teatro. Ou seria um circo? Tinha “A Volta ao Ninho Antigo” contado pelo José todas as noites, antes que o sono nos alcançasse; tinha também os jornais manuscritos, as declamações, o cinema com lençol estendido, os discursos, os piqueniques. Era uma época em que havia diálogo, em que existia tempo para as coisas essenciais, época sem TV, época literária.

E tinha o Natal, a data mais esperada do ano. E como demorava... Ganhávamos, era regra geral, roupa nova e um tênis branco, de lona, que durava o ano inteiro. Ainda sinto o cheirinho deles. Um tambor, um carrinho, um caminhãozinho, bonecas para as meninas, uma bola, era uma alegria imensa. Todas as noites, depois da festa, por um mês, eu colocava os presentes ganhos junto à cabeceira da cama, para, ao acordar, sentir a sensação daquela noite festiva. Lembro-me, de maneira especial de um bondinho vermelho.

Não esqueço da felicidade de Emanuel quando o presenteei com uma linda bicicleta, com todos os acessórios, comprada a prestações numa loja da Rua Deodoro, cujo proprietário depois passou a vender carros DKW-VEMAG... As férias de verão em Porto Belo, os estudos ao clarear o dia na Chácara, a matéria decorada (Emanuel chegou depois), as viagens de inspeção do Papai, os piqueniques freqüentes. Vivíamos, sem dúvida, uma infância e uma adolescência feliz, apesar do autoritarismo, comum à época, que presidia a educação.

E a base da nossa educação – além, claro, dos valores éticos – foi o amor à cultura. Amor aos livros e às boas histórias. Tínhamos, todos, por esse ambiente em que vivíamos, fome de mundo, que é fome de conhecimento. O espaço mais importante e mágico da casa era a biblioteca. Foi ali que Emanuel cresceu, devorando toda a Coleção Saraiva, que eu assinava e que dei a ele. Lia sem parar, com urgência, como uma necessidade física e espiritual. Leu todos os livros de Emílio Salgari, do Karl May, além dos autores que o iriam marcar para sempre: Machado, Dostoievski, Kafka e Camus.

A paixão pelos livros estimulou ainda mais seu desejo de caminho. E lá foi ele, pelas estradas secundárias, completar os estudos em Porto Alegre. Aficionado pelo cinema e pela literatura, tornou-se contista. Bacharelou-se em Direito, mas nunca advogou. A burocracia, os formalismos, as poses não lhe agradam nunca. Depois, por necessidade, mas não por vocação, tornou-se assessor parlamentar, na Assembléia Legislativa de Santa Catarina e, posteriormente, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Mas a verdade é que o poder nunca o seduziu. Não é essa a sua estrada porque Emanuel nasceu poeta.

Um poeta no sentido mais bonito do termo. Alguém que se entrega à vida e à literatura de maneira inteira, visceral, verdadeira. Tanto nos contos quanto nas novelas, nos ensaios ou nos poemas, Emanuel vive as palavras de Paul Auster: "um escritor só pode ser bom se tiver a honestidade de ir ao fundo, ao céu, ao inferno, doa a quem doer." Ele foi fundo, vivendo como escreve – numa coerência intransigente. Qualidade, como se sabe, tão rara quanto bela. Seus textos são apaixonados, têm verve, têm dor profunda, têm uma vida imensa que transborda e que faz vento por onde passa. Não há ninguém que fique indiferente aos seus contos e seus poemas. E isso desde o seu primeiro livro, Expiação de Jerusa, de 1972. E foi lá, no comecinho de tudo, que os textos de Emanuel chamaram atenção de um mineiro, também poeta, chamado Carlos Drummond de Andrade. E vieram muitos prêmios e muitos outros admiradores e leitores fiéis.

Emanuel consegue transformar seus demônios e deuses mais profundos em arte. Não fez da literatura, como tantos, um instrumento para destilar mágoas ou rancores. Mas uma arte que transforma e purifica. E acho que foi assim que ele conseguiu manter a ternura invicta, apesar dos pesares. Durante a famigerada ditadura militar, por rejeitar a brutalidade e a censura, pela ousadia de desafiar o silêncio, foi perseguido, preso e torturado. Foi um entre tantos jovens da sua geração a pagar um preço altíssimo pela sua coerência ética e pela sua coragem. Mas sobreviveu e manteve-se de pé, sem abandonar jamais suas crenças num outro mundo mais justo e mais humano. O que não é pouco, a contar tantos “arrependidos” que andam por aí.

Ele carrega o que de melhor nos deu aqueles tumultuados anos 60: utopia, idealismo, poesia. Paixão. Tudo isso permanece e não é apenas matéria de memória. Foi olhando para essa época, a revendo hoje, sem ingenuidade, que ele tirou as histórias de "Os hippies envelhecidos", livro que recebeu o “Prêmio Othon Gama D’Eça - 2002”, concedido pela Academia Catarinense de Letras ao melhor livro do ano. Foi com os olhos e o espírito daquela década que ele escreveu o também premiado No Altiplano: Contemplando o Comandante Ernesto, livro sobre o Che. Há algo que os une profundamente: Tanto Che como Emanuel têm essa estranha “teimosia” de não aceitar a injustiça como fato natural, seja com quem for e aonde for. Emanuel também me lembra um pouco um outro símbolo daqueles anos: o cineasta Glauber Rocha. Como Emanuel, Glauber tinha essa urgência de vida, a consciência da finitude, a sensibilidade, a necessidade de estar sempre em movimento, produzindo, criando. Não é por acaso que sua casa espiritual é a Bahia. Emanuel é feito daquela terra.

É feito do tempo. Do seu tempo. Como escreveu Nelson Hoffmann: “Toda a obra de Emanuel Medeiros Vieira acompanha o tempo, registra as mudanças, testemunha. Não registra como quem faz um inventário, toma nota, aponta. Não. Emanuel faz a leitura do tempo, do tempo em que está inserido. Faz essa leitura, lendo-se a si mesmo. Lendo-se a si mesmo, no que tem de essencial, lê-se como ser humano universal”.

Emanuel cria e vive, como um velho artesão. Sentado em frente a sua velha máquina de escrever (agora, enfim, um computador), concentrado e em silêncio, ele vai tecendo histórias. Conta, encanta e comove porque escreve com os poros, se mostrando com toda a força e fragilidade. Nele, como diria Maiakovski, “a natureza enlouqueceu e ele é todo, todo coração”. É todo humanidade. Num dos seus mais recentes poemas, Adeus Grécia, Emanuel faz a mesma pergunta que ouvi há quase 70 anos: “De que barro somos feitos?”. Com ele, aprendi que somos feitos de compaixão e de memória.










10/31/2006

Três autógrafos em Porto Alegre- na Feira do Livro

Foi um sucesso o lançamento dos livros O Refúgio do Príncipe de Nei Duclós, Para Tarsila de Aline Isaia e o meu Viver a Paixão de Cada Passo, na Feira do Livro de Porto Alegre. O meu livro e da Aline fazem parte da coleção Palavra e Arte da editora Alegoria-www.alegoriaeditora.com.br o do Nei é da editora Cartaz de Santa Catarina.Os livros da coleção Palavra e Arte podem ser encontrados no site da editora ou da Livraria Cultura.

10/14/2006

No próximo dia 20 de outubro,as 19h30min. na Livraria Cultura do Borboun Country, em Porto Alegre será realizada a sessão de autógrafos de meu livro Viver a Paixão de Cada Passo.Na mesma ocasião Aline Isaia deverá autografar também seu livro Para Tarsila.

8/30/2006

Vida Doida- de Adélia Prado

Já pode ser encontrado na Livraria Cultura o livro Vida Doida de Adélia Prado.Um dos seis livros da coleção Palavra e Arte da Editora Alegoria, de Porto Alegre. Fazem parte da Coleção:O Homem e Sua Sombra de Affonso Romano de Sant'Anna,Para Tarsila de Aline Isaia, Frases de Tomé aos Três Anos de Arnaldo Antunes,Estações de Gabriel Chalita e Viver a Paixão de Cada Passo de Marco Celso Huffell Viola.

1/09/2006

do livro a A Lua e o Vento

A aranha quis prender
a lua em sua teia,
a lua ficou cheia
Dias tão feios
Não importam os fins
ou os meios

10/22/2005

Poesia Política

Começou na Livraria Palavraria o Seminário Poesia Política, todas as segundas feiras, às 19h30min.Em novembro estarei realizando outro seminário na mesmo local.

10/05/2005

Literatura na Rádio

Completa um mês no ar na 87.9 Fm de Porto Alegre, o programa Tema Livre, onde a literatura e a cultura tem prioridade e os outros assuntos ficam a cargo os convidados. Já estiveram presentes Carlos Caramez,autor de Construção das Ruínas e Poemas Incuráveis; Pedro Gonzaga, autor de Cidade Fechada;Ronald Augusto, do grupo Poets;Luis de Miranda, autor de Nunca Mais Seremos os Mesmos, e Dilan Camargo, autor da recente antologia que reuniu 80 poetas tradicionalistas gaúchos.O programa que tem nos controles técnicos Tadeu Paraguassu é produzido e apresentado por mim, Aline Isaia e Diego Lopes.

9/05/2005

Rádio Poesia

Todas as segunda-feiras, das 18 às 20h estamos no programa Papo Livre, na rádio 87.9 FM, em Porto Alegre eu e Aline Isaia,divulgando arte, poesia e literatura. Nesta segunda, dia 5 começamos a realizar um concurso de poesia com os ouvintes.

8/23/2005

POESIA POLÍTICA

A partir do próximo dia 13 de setembro estarei realizando na livraria Palavraria em Porto Alegre Seminário sobre Poesia Política. Entre os temas a serem abordados: história da literatura até o romantismo e os movimentos derivados,anarquismo, realismo, dadaísmo, futurismo, surrealismo;Semana de Arte Moderna, concretistas e período de resistência a ditadura.Informações-f: 32684260.

7/15/2005

ILHA

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

Esta soberana pátria: o exílio:
acolho-te nesta pele, Ilha natal,
e estás tão longe – geograficamente,
eu exilado – sempre.

No olhar, percorro todos os lugares,
mas o eixo está em ti,
Ilha
(inunda-me a circunstância líquida),
Desterro,
sempre volto a ti.
Cumprido o ciclo.
Cumprido?
Nunca terminado, como um livro: apenas interrompido.
Ilha,
Interior:
sou apenas um catalisador de complexidades.

Meu sonho: ilhado, não é pragmático,
imaterial, carente de valor contábil,
não, a pecúnia não é soberana.
Volto sempre a ti, Ilha
(que me fundou)
imanente, estarás sempre em mim,
(despoluída e mítica)
e depois, já feito pó, talvez continue em ti:
“Morrer é uma forma de organizar-se.”

6/21/2005

Leitura de poemas

No próximo dia 2 de julho,o ator Alexandre Keive estará lendo na livraria Palavraria os poemas de Aline Isaia, Carlos Caramez,Edgar Oliveira,Marco Celso Huffell Viola,José Fonseca, Nei Duclós. A Palavraria fica na Vasco da Gama 165. o recital será as 19h30min.

4/19/2005

Geração Mimeógrafo

Geração Mimeógrafo, Princípio Meio e Fim


A partir deste post começo a colocar partes do livro Geração Mimeógrafo,Princípio Meio e Fim, o texto que inicia é de Cláudio d’Almeida poeta, escritor/memorialista e autor da trilogia: A mão estendo ao vento;Pequenos pedaços de um tempo e Apenas quem sabe os silêncios.
Os três livros de Cláudio relatam vivências dele pelo mundo, nos últimos trinta anos e, em seu livro Apenas quem sabe os silêncios, ele fala da criação do evento denominado Duas Semanas Cinéticas de Arte(1), que junto com ele ajudei a organizar em Porto Alegre,em 1972 e que dentre as várias manifestações artísticas produziu a edição em mimeógrafo do hoje histórico Caderno de Contos e Poesias, com apenas um exemplar conhecido em posse do poeta Oliveira Silveira.
O Caderno de Contos e Poesias, foi uma antologia com textos de 21 autores, entre eles Caio Fernando de Abreu, Moacyr Scliar, Sérgius Gonzaga, entre outros.
Apesar do braço forte, a ditadura,na época., não conseguiu encontrar maneira de impedir a realização do evento.
Assim,o Caderno como a mostra de arte visuais, as apresentações de teatro, música e cinema,resultantes das Duas Semanas de Arte Cinéticas, além de refletir o que estava acontecendo na cultura em Porto Alegre,naquele momento, não sofreram censura e puderam ocorrer livremente.
No texto de Cláudio, capítulo primeiro do Apenas quem sabe os silêncios, também é possível sentir como era o clima de repressão que vivia o país naquele período..
Reproduzo abaixo o texto gentilmente cedido pelo autor.




Capítulo I

Arte e Bahia

“No ano de 1972, ou seja, trinta anos atrás, na falta de festas cívicas que permitissem um auto-elogio da ditadura militar, o governo inventou o sesquicentenário da independência. Era algo absurdo e inaceitável para os descontentes. Pretendiam uma bienal de arte e outros movimentos na área cultural, muito quieta na época, depois do AI –5, Caetano e Gil no exílio, etc.
Desde de uns dois ou três anos, individualmente ou em pequenos grupos, dentro da Universidade Federal do RS a inquietação cultural sobreviveu.
Resolvemos criar um grupo alternativo para manifestação e o encontro entre estas pessoas e grupos, sem a conciliação com o autoritarismo. Nenhum dinheiro, mas o espaço do centro Acadêmico da Engenharia o (o CEUE) e da Medicina (CASL), graças ao amigo Mário,(2). além do apoio do Diretório Central, onde Berenice(3), minha companheira era secretária geral.
De longas conversas entre Marco Celso Viola, a Berenice e eu próprio surgiram, as Duas semanas em um salão” . O nome derivou do livro “ Cinco semanas em um balão”, de Julio Verne,a idéia era ocupar o salão do CEUE, durante duas semanas , com exposição e desenhos e pinturas, apresentação de peças, filmes, debates, edição de caderno literário, música e atividade que envolvessem os visitantes.
Montamos o Movimento de Arte Cinética, uma aparente redundância, mas não tinha nada a ver com a escola deste nome, na realidade a intenção era mexer com as pessoas, fossem artistas ou não.Escrito nosso manifesto, partimos para os jornais e até entrevista na Rádio da Universidade...’

Ainda neste trecho do seu livro que relata a o surgimento do Caderno de Contos e Poesias,Cláudio,sai nas férias de julho e viaja a Salvador,ele diz entre outras coisas “o Viola ficou em Porto,dando continuidade a mostra”, descrevendo o clima da época em Salvador,ele observa: “ mas vigorava a lei seca nos bares, depois das oito da noite a repressão policial era intensa”.
No seu retorno:
“Os trabalhos de organização da mostra cultural prosseguiram. Os contatos com diversos setores de manifestação artística nos levaram a Editora Movimento, aos grupos do Movimento Negro (proibidos pela ditadura), ao Centro de Arte Dramática da UFRGS, gente que tentava fazer cinema e aos poetas daquela geração.As semanas de agosto passaram rápido, foram visitadas muitas pessoas e algumas surpresas. A loja Lemac nos forneceu muito papel e tinta tempera, utilizada para as manifestações do público, dentro das propostas do evento. O resultado foi surpreendente para nós”...
...O resto do tempo foi passado na datilografia dos contos e poesias que, mimeografados, deram, origem a uma publicação que distribuímos aos mais interessados.O Moacyr Scliar foi um dos novos da época.Também havia contos e poesias de nossa autoria.As pinturas e desenhos foram sendo preparadas para a exposição de duas semanas que ocupamos o salão do CEUE , mesmo local onde foram projetados filmes do Alpheu Godinho e Sérgio Silva....
Neste mesmo local ocorreram alguns debates sobre expressão artística.Apresentações de teatro e audições musicais foram na Medicina, entre elas do Celso Loureiro Chaves, hoje(4) diretor da Escola de Artes da UFRGS...

(1)Tanto a capa do Caderno quanto do cartaz da mostra são de autoria de Cláudio d’Almeida
( 2) Mario Duarte Silveira
(3)Berenice Mallmann,foi quem datilografou os textos e acompanhou todo o processo de edição do Caderno de Contos e Poesias no mimeógrafo a tinta do CEUE.
(4)O livro foi editado em dezembro de 2002

4/12/2005

Do livro Construção das Ruínas

Carlos Eduardo Caramez lança agora, em abril, o Construção das Ruínas- Poemas Incuráveis, pela editora Leitura XXI
é dele o poema

no chão do meu cérebro
estão enterrado todos os cadáveres
da humanidade
estão os subterrâneos dos desertos
os subsolos das cidades
os porões do universo
os poemas incuráveis
os poços escuros
escondem o contrabando de armas
e os novos vírus do futuro

3/06/2005

do livro Poemas para ler em voz alta

O Sobrado*


"Cortina vulgar de decência urbana
defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado"
Velho Sobrado (Cora Coralina)




O acaso levou-me aquela rua
esquecida
e o Sobrado,
surgiu
na minha frente,
em ruínas.

Não pude evitar olhar para as janelas
e...de repente,
teu vulto passou na vidraça!
Foi um instante, quase o reflexo,
mas a surpresa foi tanta
que sentei na calçada
esperando rever teu rosto.
Era impossível e improvável...
poderias estar revendo a casa.

Encostado a uma árvore e com afasia,
lembrei aos poucos e quase sem querer
do piano de cauda na sala
que vendemos para um judeu
com a louça da Companhia das Índias
e tomamos banho de dinheiro.

Ouvi dona Mariquinha
reclamando para negra do seu chá
de camomila.
E você subindo as escadas,
quando te conheci
e comentei:_ que casa linda!
_ também gosto dela! Foi a tua resposta.
Encantado no teu sorriso
transferi todos
os compromissos do dia
e saímos a caminhar até que noite nos pegou
por inteiro e
andamos nas ruas do bairro
de madrugada
falamos tanto que
ficamos roucos e
ao fechar os olhos entre teus braços
sonhei com uma montanha azul.

Dava para ouvir nossos risos
confusos
entre as escadas e o ateliê de pintura
onde os morcegos dormiam de dia
e nos escondíamos às horas cheias
e as vazias
que o relógio de carrilhão teimava
em anunciar.
E não foi apenas teu vulto
que vi na vidraça
haviam outros, estampados
como um bordado, rendado, antigo
que amarelou
esquecido num canto.

Ali estava o Sobrado, belo, gigante, triste, envelhecido,
perdera o brilho,
aguardando um operário indiferente
botar abaixo suas paredes.

Consegui ver o assoalho marcado
com passos inúteis, com móveis arrastados,
com passos de dança nos bailes para a sociedade,
com as reuniões de política,
e nosso amor escondido atrás
das portas.

Sei porque se destrói casas
como este Sobrado,
é incômodo e inútil
as cidades precisam de espaço
e todos precisam de dinheiro
e se as lembranças tivessem
algum valor
nos desfaríamos delas, com rapidez e facilidade
esquecendo os abraços,
os beijos, os choros convulsivos, as preocupações,
as precauções e as risadas que ecoaram nos dias
felizes de verão.
Esquecemos tudo,
mas as pedras não esquecem,
algo ficou gravado num pedaço daquele chão,
impossível de tirar, raspar, lavar ou mesmo arrancar,
também ficou um pouco
naquelas plantas feias
que nasceram sem pedir licença e que
apenas os pássaros sabem a razão
de existir.

Ouvi o barulho da cozinha,
a panela de feijão arrastando no fogão
os talheres de prata
e os assuntos que não se podia
falar perto de dona Mariquinha
que enlouquecia e queria pular do primeiro
andar.
Lembrei um pouco do nosso amor,
dos gansos grasnando a
nossa passagem, das pintas na tua
pele
e nossas tatuagens feitas com tuas
tintas,
nas luas cheias
quando uivávamos como lobos sedentos
pelo nosso sangue,
nos cobríamos de pelos,
nos arranhávamos como poucos
e quase nos matávamos de tanto
amar.
E a vida seria só aquilo, não haveria o depois.

E os quadros que pintamos?
que ninguém queria, nem a tia Generosa.
Os conselhos de família, dos amigos, estudando
nosso caso,
tudo e todos contra nós
e o nosso amor de risos, riscos e fugas intermináveis.

Passaram na janela,
num instante teus avós, tios, primos
e primas, as fotos dos mortos na parede,
os sobrenomes importantes, a
altiva elegância e as jóias de família,
hoje no prego de algum agiota.

Como um idiota, perguntei ao Sobrado
onde tinha ido aquela gente
e a resposta veio depois de enorme silêncio:
_algumas noites aqui, são bem animadas.
Aparecem todos os fantasmas, cantam,
dançam, contam piadas
e até a lareira se acende, bebem conhaque,
fumam, você também é convidado...

Interrompendo aquela conversa sem propósito
alguém me tocou no ombro.
_Moço, o senhor precisa de alguma coisa?
Esta passando mal? Está sem cor...
_Não, não, grato, não foi nada, foi um surto,
não é doença, é um ataque...
E a culpa é daquele velho Sobrado!
Grato, obrigado...vou ficar sentado aqui,
apagando se possível,
este velho Sobradodo meu passado.

*Do livro Poemas para ler em voz alta que pode ser encontrado no site da Livraria Cultura

1/19/2005

Dois poemas

Do livro Do Avesso
de Aline Isaia

Pássaro

Hoje, me ordeno pássaro para alimentar-me
do essencial. De água, frutos, paisagem
e sossego.
Me ordeno pássaro para calar
sem constrangimento,sorrir gratuitamente,por dentro.
Neutralizar as defesas-pousar aqui, pousar ali-belezas.
Me ordeno pássaro para não enfrentar mais filas,
e de acrobacias atravessar as estradas da liberdade
nua e fria.
Me ordeno pássaro para mudar humor e cor a
cada estação...destino é o improviso.
Da realidade, recortes bons, nada de tormentos.
Me ordeno pássaro para,invisível, velar tua janela:te ter sem nada cobrar,
te sentir pelo olhar.
E num canto brando, distante, ser teu por um momento.
Ser teu solenemente e exclusivamente,
mesmo que só num fio de pensamento.


Partes, Tu

Chegas-te intruso, sem pedir licença.
E é bem verdade que no princípio, atrapalhaste minha rotina.
Eu era do vento, não sabia o que era ter.
Não sabia o que era ser.
Mas, fomos apostando numa convivência de confiança fraca;
depois de pequenas cumplicidades;
depois,vieram as ternas surpresas e,quando vi, já éramos parte.
Um do outro.
Achava graça quando dizias que, somados, multiplicávamos, - mágica de conquista.
Achava, não fazia graça.
E me enchia de vergonha, era difícil admitir saber-me mais, por ti.
Agora, de uma hora para outra, diz que vais embora.
De motivos, precisas seguir em frente.
E, para não perder pose, refaço um movimento de fraca superioridade.
Sei que irás restar, pedaço de mim. E aceito.
Mas, já me consumo numa fração de perda e de saudade.
O adeus é azul.

12/19/2004

Poemas de Ronald Augusto da Costa da Costa

poemas extraídos do livro Homem ao Rubro, 1983


não tem mais essa de
sumir pelo avesso
pelourinho trocou de brasão
mas preço seu continua o
mesmo nosso vida austral doçura ao
luar esculpida
fincada no vento
tua casa sem bossa cria
das senzalas
grita canção nossa

*
já tive de dono do hemisfério
de verdura dos pássaros
bem no outro flanco do mar
deram sumiço na minha boniteza
de guri negro
dói no umbigo
inimigo
tempo estampado
segurava pra vulcão
não derramar
bem no outro flanco do mar
mapa riscado de bombardeiros jacas lagoa esperta
dói no umbigo inimigo

*

arrumo nos lundus
mais lento as duras
descobertas que fiz
as iluminuras
de dor que por tudo
calculei quem sabe
nem tanto tomara
proveitosa agave
tão sem meias setas
e certa e exausta
salvam-se as negras
de tudo que fausta


*
para Anajúlio

quebranto supimpa
quebranto supimpa supimpa
qualidade adentro tropel na real
negra
apalavrada com o resmungo indicativo
e propiciatório duma
quartinha de água atrás da porta
linda de pára-raios
favorita dos quissanges
não güenta no osso
nem faz a volta por cima
parte e parte duma vez pra
porrada
arboreala a carapinha
com mariposas que só vendo

12/03/2004

Três poemas

Poemas de Edgar Oliveira
do livro De Asas e Precipícios
ou o Livro do Cotidiano



Deus existe
está triste, infeliz e só
Eu sei
porque o vi noutro dia
caído na calçada
inchado de cachaça
assolado pelo vento
frio e cortante
quase sem roupa
quase moribundo
Deus, quase
Eu sei
porque o vi
quando passei
apressado






Ela voltou-me as costas
e saiu
pela porta da frente
para sempre
para sempre
para sempre
A dor é eterna
porque é eterna
a partida
Súbito
senti-me estranho
embora estando
entres os meus
Fugiu-me saber
o dia de domingo
a casa onde moro
A faca e o seu destino
ambos cegos
Ela partiu-me
para sempre





Enamorados
suavemente
ele passa mão em seus cabelos
Virão os filhos
aves de arribação
depois o cansaço
e a solidão

Meu Deus
sê clemente
faz eterno
o gesto