7/15/2005

ILHA

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

Esta soberana pátria: o exílio:
acolho-te nesta pele, Ilha natal,
e estás tão longe – geograficamente,
eu exilado – sempre.

No olhar, percorro todos os lugares,
mas o eixo está em ti,
Ilha
(inunda-me a circunstância líquida),
Desterro,
sempre volto a ti.
Cumprido o ciclo.
Cumprido?
Nunca terminado, como um livro: apenas interrompido.
Ilha,
Interior:
sou apenas um catalisador de complexidades.

Meu sonho: ilhado, não é pragmático,
imaterial, carente de valor contábil,
não, a pecúnia não é soberana.
Volto sempre a ti, Ilha
(que me fundou)
imanente, estarás sempre em mim,
(despoluída e mítica)
e depois, já feito pó, talvez continue em ti:
“Morrer é uma forma de organizar-se.”

6/21/2005

Leitura de poemas

No próximo dia 2 de julho,o ator Alexandre Keive estará lendo na livraria Palavraria os poemas de Aline Isaia, Carlos Caramez,Edgar Oliveira,Marco Celso Huffell Viola,José Fonseca, Nei Duclós. A Palavraria fica na Vasco da Gama 165. o recital será as 19h30min.

4/19/2005

Geração Mimeógrafo

Geração Mimeógrafo, Princípio Meio e Fim


A partir deste post começo a colocar partes do livro Geração Mimeógrafo,Princípio Meio e Fim, o texto que inicia é de Cláudio d’Almeida poeta, escritor/memorialista e autor da trilogia: A mão estendo ao vento;Pequenos pedaços de um tempo e Apenas quem sabe os silêncios.
Os três livros de Cláudio relatam vivências dele pelo mundo, nos últimos trinta anos e, em seu livro Apenas quem sabe os silêncios, ele fala da criação do evento denominado Duas Semanas Cinéticas de Arte(1), que junto com ele ajudei a organizar em Porto Alegre,em 1972 e que dentre as várias manifestações artísticas produziu a edição em mimeógrafo do hoje histórico Caderno de Contos e Poesias, com apenas um exemplar conhecido em posse do poeta Oliveira Silveira.
O Caderno de Contos e Poesias, foi uma antologia com textos de 21 autores, entre eles Caio Fernando de Abreu, Moacyr Scliar, Sérgius Gonzaga, entre outros.
Apesar do braço forte, a ditadura,na época., não conseguiu encontrar maneira de impedir a realização do evento.
Assim,o Caderno como a mostra de arte visuais, as apresentações de teatro, música e cinema,resultantes das Duas Semanas de Arte Cinéticas, além de refletir o que estava acontecendo na cultura em Porto Alegre,naquele momento, não sofreram censura e puderam ocorrer livremente.
No texto de Cláudio, capítulo primeiro do Apenas quem sabe os silêncios, também é possível sentir como era o clima de repressão que vivia o país naquele período..
Reproduzo abaixo o texto gentilmente cedido pelo autor.




Capítulo I

Arte e Bahia

“No ano de 1972, ou seja, trinta anos atrás, na falta de festas cívicas que permitissem um auto-elogio da ditadura militar, o governo inventou o sesquicentenário da independência. Era algo absurdo e inaceitável para os descontentes. Pretendiam uma bienal de arte e outros movimentos na área cultural, muito quieta na época, depois do AI –5, Caetano e Gil no exílio, etc.
Desde de uns dois ou três anos, individualmente ou em pequenos grupos, dentro da Universidade Federal do RS a inquietação cultural sobreviveu.
Resolvemos criar um grupo alternativo para manifestação e o encontro entre estas pessoas e grupos, sem a conciliação com o autoritarismo. Nenhum dinheiro, mas o espaço do centro Acadêmico da Engenharia o (o CEUE) e da Medicina (CASL), graças ao amigo Mário,(2). além do apoio do Diretório Central, onde Berenice(3), minha companheira era secretária geral.
De longas conversas entre Marco Celso Viola, a Berenice e eu próprio surgiram, as Duas semanas em um salão” . O nome derivou do livro “ Cinco semanas em um balão”, de Julio Verne,a idéia era ocupar o salão do CEUE, durante duas semanas , com exposição e desenhos e pinturas, apresentação de peças, filmes, debates, edição de caderno literário, música e atividade que envolvessem os visitantes.
Montamos o Movimento de Arte Cinética, uma aparente redundância, mas não tinha nada a ver com a escola deste nome, na realidade a intenção era mexer com as pessoas, fossem artistas ou não.Escrito nosso manifesto, partimos para os jornais e até entrevista na Rádio da Universidade...’

Ainda neste trecho do seu livro que relata a o surgimento do Caderno de Contos e Poesias,Cláudio,sai nas férias de julho e viaja a Salvador,ele diz entre outras coisas “o Viola ficou em Porto,dando continuidade a mostra”, descrevendo o clima da época em Salvador,ele observa: “ mas vigorava a lei seca nos bares, depois das oito da noite a repressão policial era intensa”.
No seu retorno:
“Os trabalhos de organização da mostra cultural prosseguiram. Os contatos com diversos setores de manifestação artística nos levaram a Editora Movimento, aos grupos do Movimento Negro (proibidos pela ditadura), ao Centro de Arte Dramática da UFRGS, gente que tentava fazer cinema e aos poetas daquela geração.As semanas de agosto passaram rápido, foram visitadas muitas pessoas e algumas surpresas. A loja Lemac nos forneceu muito papel e tinta tempera, utilizada para as manifestações do público, dentro das propostas do evento. O resultado foi surpreendente para nós”...
...O resto do tempo foi passado na datilografia dos contos e poesias que, mimeografados, deram, origem a uma publicação que distribuímos aos mais interessados.O Moacyr Scliar foi um dos novos da época.Também havia contos e poesias de nossa autoria.As pinturas e desenhos foram sendo preparadas para a exposição de duas semanas que ocupamos o salão do CEUE , mesmo local onde foram projetados filmes do Alpheu Godinho e Sérgio Silva....
Neste mesmo local ocorreram alguns debates sobre expressão artística.Apresentações de teatro e audições musicais foram na Medicina, entre elas do Celso Loureiro Chaves, hoje(4) diretor da Escola de Artes da UFRGS...

(1)Tanto a capa do Caderno quanto do cartaz da mostra são de autoria de Cláudio d’Almeida
( 2) Mario Duarte Silveira
(3)Berenice Mallmann,foi quem datilografou os textos e acompanhou todo o processo de edição do Caderno de Contos e Poesias no mimeógrafo a tinta do CEUE.
(4)O livro foi editado em dezembro de 2002

4/12/2005

Do livro Construção das Ruínas

Carlos Eduardo Caramez lança agora, em abril, o Construção das Ruínas- Poemas Incuráveis, pela editora Leitura XXI
é dele o poema

no chão do meu cérebro
estão enterrado todos os cadáveres
da humanidade
estão os subterrâneos dos desertos
os subsolos das cidades
os porões do universo
os poemas incuráveis
os poços escuros
escondem o contrabando de armas
e os novos vírus do futuro

3/06/2005

do livro Poemas para ler em voz alta

O Sobrado*


"Cortina vulgar de decência urbana
defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado"
Velho Sobrado (Cora Coralina)




O acaso levou-me aquela rua
esquecida
e o Sobrado,
surgiu
na minha frente,
em ruínas.

Não pude evitar olhar para as janelas
e...de repente,
teu vulto passou na vidraça!
Foi um instante, quase o reflexo,
mas a surpresa foi tanta
que sentei na calçada
esperando rever teu rosto.
Era impossível e improvável...
poderias estar revendo a casa.

Encostado a uma árvore e com afasia,
lembrei aos poucos e quase sem querer
do piano de cauda na sala
que vendemos para um judeu
com a louça da Companhia das Índias
e tomamos banho de dinheiro.

Ouvi dona Mariquinha
reclamando para negra do seu chá
de camomila.
E você subindo as escadas,
quando te conheci
e comentei:_ que casa linda!
_ também gosto dela! Foi a tua resposta.
Encantado no teu sorriso
transferi todos
os compromissos do dia
e saímos a caminhar até que noite nos pegou
por inteiro e
andamos nas ruas do bairro
de madrugada
falamos tanto que
ficamos roucos e
ao fechar os olhos entre teus braços
sonhei com uma montanha azul.

Dava para ouvir nossos risos
confusos
entre as escadas e o ateliê de pintura
onde os morcegos dormiam de dia
e nos escondíamos às horas cheias
e as vazias
que o relógio de carrilhão teimava
em anunciar.
E não foi apenas teu vulto
que vi na vidraça
haviam outros, estampados
como um bordado, rendado, antigo
que amarelou
esquecido num canto.

Ali estava o Sobrado, belo, gigante, triste, envelhecido,
perdera o brilho,
aguardando um operário indiferente
botar abaixo suas paredes.

Consegui ver o assoalho marcado
com passos inúteis, com móveis arrastados,
com passos de dança nos bailes para a sociedade,
com as reuniões de política,
e nosso amor escondido atrás
das portas.

Sei porque se destrói casas
como este Sobrado,
é incômodo e inútil
as cidades precisam de espaço
e todos precisam de dinheiro
e se as lembranças tivessem
algum valor
nos desfaríamos delas, com rapidez e facilidade
esquecendo os abraços,
os beijos, os choros convulsivos, as preocupações,
as precauções e as risadas que ecoaram nos dias
felizes de verão.
Esquecemos tudo,
mas as pedras não esquecem,
algo ficou gravado num pedaço daquele chão,
impossível de tirar, raspar, lavar ou mesmo arrancar,
também ficou um pouco
naquelas plantas feias
que nasceram sem pedir licença e que
apenas os pássaros sabem a razão
de existir.

Ouvi o barulho da cozinha,
a panela de feijão arrastando no fogão
os talheres de prata
e os assuntos que não se podia
falar perto de dona Mariquinha
que enlouquecia e queria pular do primeiro
andar.
Lembrei um pouco do nosso amor,
dos gansos grasnando a
nossa passagem, das pintas na tua
pele
e nossas tatuagens feitas com tuas
tintas,
nas luas cheias
quando uivávamos como lobos sedentos
pelo nosso sangue,
nos cobríamos de pelos,
nos arranhávamos como poucos
e quase nos matávamos de tanto
amar.
E a vida seria só aquilo, não haveria o depois.

E os quadros que pintamos?
que ninguém queria, nem a tia Generosa.
Os conselhos de família, dos amigos, estudando
nosso caso,
tudo e todos contra nós
e o nosso amor de risos, riscos e fugas intermináveis.

Passaram na janela,
num instante teus avós, tios, primos
e primas, as fotos dos mortos na parede,
os sobrenomes importantes, a
altiva elegância e as jóias de família,
hoje no prego de algum agiota.

Como um idiota, perguntei ao Sobrado
onde tinha ido aquela gente
e a resposta veio depois de enorme silêncio:
_algumas noites aqui, são bem animadas.
Aparecem todos os fantasmas, cantam,
dançam, contam piadas
e até a lareira se acende, bebem conhaque,
fumam, você também é convidado...

Interrompendo aquela conversa sem propósito
alguém me tocou no ombro.
_Moço, o senhor precisa de alguma coisa?
Esta passando mal? Está sem cor...
_Não, não, grato, não foi nada, foi um surto,
não é doença, é um ataque...
E a culpa é daquele velho Sobrado!
Grato, obrigado...vou ficar sentado aqui,
apagando se possível,
este velho Sobradodo meu passado.

*Do livro Poemas para ler em voz alta que pode ser encontrado no site da Livraria Cultura

1/19/2005

Dois poemas

Do livro Do Avesso
de Aline Isaia

Pássaro

Hoje, me ordeno pássaro para alimentar-me
do essencial. De água, frutos, paisagem
e sossego.
Me ordeno pássaro para calar
sem constrangimento,sorrir gratuitamente,por dentro.
Neutralizar as defesas-pousar aqui, pousar ali-belezas.
Me ordeno pássaro para não enfrentar mais filas,
e de acrobacias atravessar as estradas da liberdade
nua e fria.
Me ordeno pássaro para mudar humor e cor a
cada estação...destino é o improviso.
Da realidade, recortes bons, nada de tormentos.
Me ordeno pássaro para,invisível, velar tua janela:te ter sem nada cobrar,
te sentir pelo olhar.
E num canto brando, distante, ser teu por um momento.
Ser teu solenemente e exclusivamente,
mesmo que só num fio de pensamento.


Partes, Tu

Chegas-te intruso, sem pedir licença.
E é bem verdade que no princípio, atrapalhaste minha rotina.
Eu era do vento, não sabia o que era ter.
Não sabia o que era ser.
Mas, fomos apostando numa convivência de confiança fraca;
depois de pequenas cumplicidades;
depois,vieram as ternas surpresas e,quando vi, já éramos parte.
Um do outro.
Achava graça quando dizias que, somados, multiplicávamos, - mágica de conquista.
Achava, não fazia graça.
E me enchia de vergonha, era difícil admitir saber-me mais, por ti.
Agora, de uma hora para outra, diz que vais embora.
De motivos, precisas seguir em frente.
E, para não perder pose, refaço um movimento de fraca superioridade.
Sei que irás restar, pedaço de mim. E aceito.
Mas, já me consumo numa fração de perda e de saudade.
O adeus é azul.

12/19/2004

Poemas de Ronald Augusto da Costa da Costa

poemas extraídos do livro Homem ao Rubro, 1983


não tem mais essa de
sumir pelo avesso
pelourinho trocou de brasão
mas preço seu continua o
mesmo nosso vida austral doçura ao
luar esculpida
fincada no vento
tua casa sem bossa cria
das senzalas
grita canção nossa

*
já tive de dono do hemisfério
de verdura dos pássaros
bem no outro flanco do mar
deram sumiço na minha boniteza
de guri negro
dói no umbigo
inimigo
tempo estampado
segurava pra vulcão
não derramar
bem no outro flanco do mar
mapa riscado de bombardeiros jacas lagoa esperta
dói no umbigo inimigo

*

arrumo nos lundus
mais lento as duras
descobertas que fiz
as iluminuras
de dor que por tudo
calculei quem sabe
nem tanto tomara
proveitosa agave
tão sem meias setas
e certa e exausta
salvam-se as negras
de tudo que fausta


*
para Anajúlio

quebranto supimpa
quebranto supimpa supimpa
qualidade adentro tropel na real
negra
apalavrada com o resmungo indicativo
e propiciatório duma
quartinha de água atrás da porta
linda de pára-raios
favorita dos quissanges
não güenta no osso
nem faz a volta por cima
parte e parte duma vez pra
porrada
arboreala a carapinha
com mariposas que só vendo

12/03/2004

Três poemas

Poemas de Edgar Oliveira
do livro De Asas e Precipícios
ou o Livro do Cotidiano



Deus existe
está triste, infeliz e só
Eu sei
porque o vi noutro dia
caído na calçada
inchado de cachaça
assolado pelo vento
frio e cortante
quase sem roupa
quase moribundo
Deus, quase
Eu sei
porque o vi
quando passei
apressado






Ela voltou-me as costas
e saiu
pela porta da frente
para sempre
para sempre
para sempre
A dor é eterna
porque é eterna
a partida
Súbito
senti-me estranho
embora estando
entres os meus
Fugiu-me saber
o dia de domingo
a casa onde moro
A faca e o seu destino
ambos cegos
Ela partiu-me
para sempre





Enamorados
suavemente
ele passa mão em seus cabelos
Virão os filhos
aves de arribação
depois o cansaço
e a solidão

Meu Deus
sê clemente
faz eterno
o gesto

11/20/2004

Poesia da boa

Poema de José Fonseca do livro "Tem Base, Um Trem Desse?"
Do além
viceversando
vem o finito
vai o eterno


o carro bonina desce a serra
e a moça bonita se dissolve em floresta

Do aquém
de ninguém a ninguém
se empanturra a rua dos fantasmas

D’agora e aqui só
atenção
à tensão da tesão
não de minotauros
por teseus nem de
meninos por meninas de deus
mas a tesão do todo misterioso
pelo todo ilusório

11/14/2004

Resenha sobre o livro " Poemas para ler em voz alta"

Nei Duclós repete em seu blog a resenha que publicou no Diário Catarinense sobre meu livro

SETE PILARES DA POESIA

Com sua primeira obra literária em 35 anos de trabalho poético, Marco Celso Huffell Viola reúne as estrelas de uma vida inteira (Esta resenha foi publicada no sábado, 13, no caderno de Cultura do Diário Catarinense, editado por Dorva Rezende. No mesmo dia, em Porto Alegre, Marco Celso, eu e Tailor Diniz debatemos sobre literatura na Feira do Livro de Porto Alegre. Antes do debate, nós dois e Paulo Markun participamos de programa da TVE do Rio Grande do Sul. O impacto do evento ainda será tema de nova edição do DF).
Íntegra da resenha
VENTRE - Marco Celso diz a que veio quando anuncia um assassinato: "Vou matar este poema com uma faca de trinchar,/ dividi-lo ao meio como um figo/ expor seu ventre hediondo ao público." Diz o que faz quando define o fruto que lhe sai das mãos: "Ele é um furo no escuro, um buraco cinza." Ou quando faz sua advertência de profeta irado: "Ele ficou incompleto/ estou amassando-o e dissecando-o para que nenhum leitor o devore com facilidade." Mas, além de se entregar à própria contundência, mostra sua doçura ao falar da origem dos poetas: "Eles são de outro mundo, de outros mundos/ eles caem aqui como estrelas cadentes." Quem são eles? "Conversam com seres que ninguém vê/ e ainda olham para a lua, para a lua!" Esses dois momentos estão na parte intitulada Poemas e poetas que dormiam na estante, um dos sete compartimentos em que ele dividiu Poemas para ler em voz alta (Office Editora, 136 págs., R$ 18), obra de estréia tardia. Junto com os outros, compõe uma sabedoria única, cevada no mais profundo segredo, pois Marco Celso é da estirpe dos poetas que se retiram porque não suportam a vala comum em que sempre transformaram a poesia.GERAÇÃO - Seu trabalho nasceu no final dos anos 60, quando ainda menino, antes dos 20 anos, tornou-se um deserdado dos movimentos políticos estudantis e abriu caminho próprio, expondo poemas na praça e publicando um livro mimeografado que tinha como título uma profecia: Tombam os primeiros homens nos trigais. Tive o privilégio de participar com Celso desse movimento, precursor em todos os sentidos, da geração mimeógrafo, detectado só nos anos 70 pela universidade, assim mesmo confinado ao centro do país e não à Porto Alegre que explodiu em 1968 e provou o sal do exílio precoce já em 1969, época da exposição na praça. Mas não é a esse passado que Marco Celso se reporta (apesar de dar seu recado sobre a exclusão na orelha do livro que custeou do próprio bolso). O livro não é importante, avisa, o importante é a sua razão de ser. Sobre isso é que nos debruçamos. No primeiro pilar, Quase canções, o leitor conhece os sinais mais expostos desse terremoto poético, escutando coisas como: "Já fui frade, rabino, santo, imã/ um pecador e tanto e tive tato/ com todos os sentidos/ babei um tanto, comi rato e fugi da peste." No que se transformou essa criatura? "Sou artista, burlesco, saltimbanco/ saltinvento,/ saltimento, pinto todo/ o muro branco." Grafiteiro de uma revolução, o poeta celebra o pão ("a saga que perseguimos/ onde somos/ os únicos heróis") e o amor, que "é tão completo que até o mal dele necessita para ser amado/ é desta matéria incombustível que arde em nós, que somos compostos/ e não há fogo, água, não há mágoa que o detenha". De amor é feito o poeta: "Hoje é um bom dia para morrer de amor por ti e nada mais".PERDA - Depois desse impacto inicial, que ocupa metade do livro e apresenta o poeta em toda a sua lúcida demência, um Intervalo sugere o dimensionamento emocionado das perdas, especialmente daqueles que se foram por terem voz e que foram calados. Os ossos do amigo morto servem para se referir à "tua mulher que nunca te esqueceu e que ainda te chama baixinho". A música da sua poesia tem ligamentos profundos, tornando-se inútil separá-la em versos, porque nos surpreende pela composição soberba, pela grandeza sinfônica com que fala da morte e do esquecimento, essas coisas duras demais para a poesia de hoje, que mais parece jogo de armar do que o instrumento cortante de que se serve Marco Celso. Mas o poeta não foge da herança poética e dedica uma das partes a um exercício lúdico: Atirando sonetos italianos na parede, onde fala em faces roubadas que não nos pertencem e na do tempo e seu colar de ossos, do amor desesperado que é confundido com amizade ou do amor perfeito que reina acima de tudo o que é e considerado essencial. Os Hai-Kais também merecem sua atenção de poeta múltiplo, onde é possível tecer com a linha do horizonte, construir a casa na asa do pássaro e saber que um único mantra entoa tudo o que existe. No capítulo seguinte, já citado, ele se dedica a interagir com alguns poetas, como Lorca, Pessoa, Bandeira, Drummond. Desde muito cedo, Marco Celso gostava de implicar com os mestres, numa afirmação de identidade que tinha tudo de adolescente e que nesta obra revela a maturidade do poeta que assume a vanguarda sem se entregar a vanguardismos.RITMO - Em Armações, Celso novamente nos deslumbra com o ritmo que consegue captar na arte popular (no rap, por exemplo), nas quadrinhas e nos temas como a beleza, que aqui são virados de cabeça para baixo. O sétimo pilar é Para ler em silêncio: nele, a profunda percepção do mito encarnado por palavras e letras é um fecho de sabedoria cifrada, que ele traz à luz como um predestinado. Marco Celso tem esse perfil: o poeta que todos apostaram que já tinho ido embora, mas quando surge nos diz que sempre esteve conosco e traz a boa nova da poesia sem máscara, a que tem o dom do encantamento e a fúria da tempestade.

11/10/2004

Recital

Recital de PoesiaNo próximo dia 13 de novembro às 17h30min, na Feira do Livro será realizado o lançamento dos livros de Nei Duclós Universo Baldio e no Mar Veremos. Na ocasião, serão lidos alguns poemas dele e meus por Ana Paula.Após este recital já está acertado mais um no Botequim das Letras, este último ainda sem data.